Boa parte das imagens utilizadas neste site pertencem a terceiros, que gentilmente permitiram sua utilização, assim sendo não posso
autorizar a utilização das imagens deste site.
© CIÊNCIA-CULTURA.COM - Responsável - Ricardo Pante
O Princípio da Incerteza de Heisenberg.
Henrique Fleming
O
processo
que
levou
Werner
Heisenberg
a
chegar
aos
princípios
da
Mecânica
Quântica,
na
década
de
vinte,
é
sumariado
neste
artigo.
Jovem
estudante
de
Sommerfeld,
Heisenberg
era,
segundo
o
depoimento
de
seus
contemporâneos,
dotado
de
um
brilho
excepcional.
Um
dos
seus
pontos
de
partida foi a leitura do "Timeu" de Platão.
Werner
Heisenberg
(1901-1976)
foi
o
descobridor
da
Mecânica
Quântica,
que
desempenha
hoje
o
papel
que
foi
anteriormente
da
Mecânica
Newtoniana.
Em
muitos
aspectos
essa
teoria
é
capaz
de
causar
um
impacto
ainda
maior
que
o
da
Relatividade
de
Einstein,
e
não
só
no
meio
cientifico.
De
fato,
como
pretendo
mostrar
neste
e
em
outros
artigos,
a
Mecânica
Quântica
traz
em
seu
bojo
idéias
que
deverão
alterar
profundamente
a
teoria
do conhecimento, e até mesmo pôr em questão a possibilidade de obtenção ilimitada de conhecimento.
Heisenberg
chegou
a
Mecânica
Quântica
seguindo
uma
estratégia
que
é
de
interesse
em
si.
Para
entendê-la
é
necessário
rever
a
situação
da
Física
por
volta
de
1925.
Em
1911
Niels
Bohr
apresentou
um
modelo
do
átomo
de
hidrogênio
que
descrevia
corretamente
o
seu
espectro.
Para
obtê-lo,
Bohr
acrescentava
as
leis
da
Mecânica
Newtoniana
uma
regra
que
selecionava
órbitas
nas
quais
o
elétron
podia
mover-se
em
torno
do
núcleo
sem
emitir
radiação
eletromagnética.
Esta
regra,
hoje
conhecida
como
regra
de
quantização
de
Bohr,
devia
ser
aceita
sem
outra
justificação
que
o
seu
sucesso,
tratando-se,
assim,
de
um
novo
postulado.
Apesar
do
êxito
na
reprodução
dos
dados
experimentais,
a
situação
permanecia
altamente
insatisfatória:
a
regra
de
quantização
não
era
consistente
com
a
teoria
da
interação
matéria
-
radiação,
que
previa
a
emissão
de
radiação
mesmo
nas
órbitas
selecionadas.
Com
o
passar
dos
anos
o
prosseguimento
das
pesquisas
ao
longo
das
linhas
abertas
por
Bohr
conduziu
a
formulação
de
novas
regras
de
quantização,
bastante
elaboradas,
chamadas
de
Bohr-
Sommerfeld,
que
permitiam
o
cálculo
do
espectro
de
um
número
razoável
de
átomos,
de
novo
através
da
seleção
de
certas
órbitas,
nas
quais
os
elétrons
podiam
mover-se
sem
irradiar.
Nenhuma
luz
fora
lançada,
no
entanto,
sobre
o
problema
de
justificar
essa
propriedade
especial
de
tais
órbitas.
Uma
excelente
visão
dessa
época
é
propiciada
pela
leitura
do
livro
clássico
de
Sommerfeld,
"Atombau
und
Spektrallinien",
que
compila
praticamente
tudo
o
que
se
sabia
sobre
o
átomo
em
1920.
Enquanto
que
um
certo
sucesso
(malgrado
o
aspecto
"ad
hoc"
das
regras)
era
obtido
na
descrição
da
radiação
emitida
por
um
átomo,
outras
propriedades
atômicas
permaneciam
misteriosas.
A
intensidade
da
emissão,
por
exemplo,
e
o
espalhamento
da
radiação,
eram
muito
pouco
entendidos,
na
época.
As
forças
de
longo
alcance
entre
moléculas, chamadas forças de Van der Waals, não eram entendidas nem mesmo qualitativamente.
Foi
neste
período
que
Heisenberg,
jovem
estudante
de
Sommerfeld,
apareceu
no
cenário
cientifico.
Era,
a
julgar
pelos
comentários
de
seus
contemporâneos,
uma
pessoa
de
excepcional
brilho,
mesmo
pelos
elevadíssimos
padrões
da
ciência
alemã
de
então.
Não
tardou
a
se
convencer
de
que
os
esquemas
que
permitiam
o
cálculo
dos
espectros
de
certos
átomos
eram
demasiado
complicados
e
pouco
confiáveis
para
poderem
constituir
uma
mecânica
do
átomo,
para
não
falar
das
inconsistências
que
brotavam
de
todo
ponto
ao
qual
se
dirigisse
alguma
atenção.
Pareceram-lhe
semelhantes
aos
mecanismos
descritos
no
Timeu,
de
Platão,
que
lera
por
aquela
época.
Tendo
encontrado
pouco
depois
em
Niels
Bohr
um
julgamento
semelhante
ao
seu,
e
todo
o
estímulo
de
que
poderia
precisar,
partir
para
a
descoberta
de
uma
mecânica
para
o
átomo
com
uma
estratégia
sensata:
já
que
as
elaboradas
regras
para
o
cálculo
de
órbitas
eram
eficientes
para
o
cálculo
de
espectros,
mas
falhavam
no
cálculo
de
muitas
outras
propriedades
do
átomo,
pareceu-lhe
natural
tentar
obter
os
espectros
atômicos
sem
falar
em
trajetórias,
sem
mesmo,
na
verdade,
supor
a
existência
de
trajetórias.
Em
termos
mais
gerais,
procurou
obter
as
freqüências
da
luz
emitida
pelos
átomos
utilizando
em
seus
cálculos
apenas
quantidades
macroscopicamente
observáveis.
Fazendo,
isto
é,
o
mínimo
de
suposições
sobre
o
que
era,
em
detalhe,
o
átomo.
A
história
de
como
conseguiu,
desta
forma,
descobrir
a
mecânica
atômica,
que,
por
isso
mesmo,
é
a
mecânica
de
todo
o
Universo,
não
pode
ser
contada
nas
páginas
de
um
jornal.
É,
contudo,
digno
de
nota
que
conseguiu
resolver
o
problema
quando
resistiu
a
tentação
de
impor
a
Natureza
qualquer
idéia
do
que
fosse
um
átomo,
e
se
dispôs
a
ouvir
o
que
ela
tinha
a
dizer.
Em
1925,
com
a
descoberta
da
Mecânica
Quântica,
Werner
Heisenberg
tornou-se
um
dos
maiores
físicos
de
todos os tempos.
0 Principio da Incerteza
De
posse
da
mecânica
do
átomo,
poder-se-ia
pensar
em,
utilizando
a
teoria,
deduzir
a
trajetória
descrita
por
um
elétron.
Para
surpresa
da
comunidade
cientifica,
a
resposta
da
Mecânica
Quântica
foi
de
que
era
irnpossível
calcular
a
trajetória
pela
razão
de
que
não
existia
trajetória!
A
proibição
dessa
existência
é
expressa
através
do
famoso
Princípio
da
Incerteza,
descoberto
por
Heisenberg
em
1927,
que
afirma
a
impossibilidade
de
se
determinar
simultaneamente
a
posição
e
a
velocidade
de
uma
partícula
com
precisão
arbitrariamente
grande.
Na
verdade
é
possível
especificar
qualquer
uma
dessas
duas
quantidades
tão
precisamente
quanto
se
queira,
mas,
a
medida
que
se
aumenta
a
precisão
na
determinação
de
uma,
perde-se
precisão
na
determinação
da
outra.
Mais
precisamente,
não
é
possível
estipular
que
o
vaIor
da
coordenada
x
e
do
seu
momento
conjugado
p
sejam
dados
por
X
e
P
com
incerteza
arbitrariamente
pequena.
Ao
contrário,
se
DELTA00.gif
-
945
Bytesx
e
DELTA00.gif
-
945
Bytesp
designam
respectivamente
a
incerteza
no
valor
da
coordenada
e
do
momento,
existe
a
desigualdade,
chamada
de
relação
de
incerteza,
DELTA00.gif
-
945
Bytes
x
.
DELTA00.gif
-
945
Bytes
p
maior-igual.gif
-
937
Bytes
h/4,
onde
h
é
a
constante
de
Planck.
Uma
vez
que
a
constante
é
muito
pequena
(6,6
x
10-27
erg.
seg),
a
relação
de
incerteza
é
de
pouca
importância
para
a
experiência
ordinária.
Por
exemplo,
o
erro
na
determinação
da
posição
e
da
velocidade
de
um
satélite
artificial
é
absolutamente
irrelevante
mesmo
para
os
mais
refinados
cálculos
de
órbitas.
Por
outro
lado,
é
de
grande
significado
na
interpretação de experimentos atômicos e possui implicações filosóficas surpreendentes.
0
Principio
da
Incerteza
é
uma
conseqüência
inelutável
da
Mecânica
Quântica.
Pode,
contudo,
ser
compreendido
em
termos
de
certas
experiências
imaginárias,
estudadas
em
grande
detalhe
por
Heisenberg
e,
posteriormente,
por
Bohr.
Examinemos,
de
maneira
muito
simplificada,
um
desses
experimentos.
A
visualização
de
um
elétron
se
dá
quando
um
fóton
emitido
por
este
elétron
é
detectado
(digamos,
pela
retina
do
observador).
Lance-
se,
por
exemplo,
um
feixe
de
fótons
de
comprimento
de
onda
L
em
direção
à
região
onde
se
encontra
o
elétron.
O
fóton
que
com
ele
colidir
será
refletido
(absorvido
e
reemitido)
e
sua
detecção
nos
informará
sobre
a
posição
do
elétron.
Naturalmente,
um
fóton
de
comprimento
de
onda
L
não
pode
determinar
a
posição
do
elétron
com
precisão
maior
do
que
L.
Seria
de
se
pensar,
portanto,
que
a
utilização
de
um
fóton
de
comprimento
de
onda
menor
fornecesse
informações
mais
completas.
Sabe-se,
porém,
que
a
quantidade
de
movimento
de
um
fóton
é
inversamente
proporciona
ao
seu
comprimento
de
onda.
Logo,
ao
usarmos
fótons
de
menor
comprimento
de
onda
para
aprimorarmos
a
medida
da
posição
do
elétron,
estaremos
automaticamente
usando
fótons
de
maior
quantidade
de
movimento
que,
ao
serem
refletido
pelo
elétron,
transferirão
a
ele
uma
quantidade
de
movimento
tanto
maior
quanto
menor
for
o
comprimento
de
onda.
Assim,
ao
aprimorarmos
a
determinação
da
posição
do
elétron,
estaremos
alterando
o
valor
de
sua
quantidade
de
movimento
por
um
valor
que
é
tanto
maior
quanto
mais
precisa
for
a
determinação
da
posição.
Uma
análise
mais
detalhada
mostra
que
o
valor
desta
transferência
de
momento
é
incontrolável.
Ora,
a
trajetória
de
uma
partícula
é
determinada
pelo
conhecimento,
em
um
dado
instante,
da
posição
e
da
velocidade
da
partícula.
A
impossibilidade
desse
duplo
conhecimento
acarreta
automaticamente
a impossibilidade de determinação da trajetória. Não há trajetórias na mecânica Quântica !
Nessa
análise
da
observação
de
um
elétron,
o
fóton
representa
a
ação
do
observador
sobre
o
objeto
observado.
O
fato
de
o
elétron
ser
visto
implica
a
necessidade
de
que
um
fóton
seja
emitido
por
ele,
com
as
conseqüências
descritas.
O
princípio
da
incerteza
é,
assim,
uma
manifestação
da
impossibilidade
de
se
ignorar
a
interação
observador
-
sistema
observado.
É
impossível,
na
descrição
do
mundo
atômico,
separar
completamente
o
observador
do
"resto
da
Natureza",
uma
vez
que
o
distúrbio
causado
pela
observação
é
comparável
aos
próprios
fenômenos
que
estão
sendo
observados.
É
notável
que
essa
"intromissão"
do
observador
em
toda
descrição
da
Natureza
seja,
não
o
resultado
de
uma
convicção
filosófica,
mas
uma
conseqüência
imprevista
de
uma
teoria
formulada
para
o
estudo
quantitativo
de
fenômenos
em
escala
atômica.
É
isso
que
dá
a
essa
impossibilidade
de
isolamento
da
Natureza
em
relação
ao
observador
uma
força
que
os
muitos
argumentos
apresentados
durante
a
disputa
milenar
entre
as
concepções
materialista
e
idealista
do
Universo
jamais
puderam
acumular.
Deixemos,
porém,
para
outra
ocasião
a
exploração
deste
importante
tema
a
fim
de
examinarmos
algumas
conseqüências
menos
controvertidas
das
surpreendentes
exigências
da
Mecânica
Quântica.
Vínhamos
de
uma
física,
a
Newtoniana,
em
que
a
presença
de
um
observador
podia
ser
ignorada,
e
chegamos
a
física
de
Heisenberg,
em
que
a
omissão
dos
distúrbios
causados
pelo
observador
torna
a
teoria
inconsistente.
É
uma
teoria
muito
mais
difícil,
mas
como
me
parece
mais
profunda!
Voltando
por
um
momento
a
análise
da
determinação
da
posição
de
um
elétron
por
meio
de
um
fóton,
vemos
que
a
impossibilidade
de
determinar
acuradamente
a
posição
e
o
momento
de
um
elétron
está
ligada
ao
fato
de
que
a
Natureza
nos
oferece
como
o
seu
mais
sensível
instrumento
para
esse
gênero
de
medida
o
fóton.
Ora,
a
teoria
de
Heisenberg
contém
em
si
as
limitações
à
acuracia
dessa
medida,
e
a
prevê.
Logo,
de
alguma
forma,
a
teoria
se
manifesta
quanto
a
existência
e
ao
tipo
desse
mais
sensível
instrumento
de
medida.
A
Mecânica
Quântica,
por
conseguinte,
vai
mais
longe
do
que
as
teorias
que
a
precederam:
não
apenas
diz
como
a
Natureza
procede,
mas
é
capaz
de
se
manifestar
sobre
o
que
a
Natureza
pode
ser,
e
o
que
não
pode!
Outra
conseqüência
do
Princípio
da
Incerteza
foi
notada
pelo
grande
físico
inglês
Dirac.
Observa
ele
que
se
tem,
agora
uma
definição
objetiva
do
que
é
grande
e
do
que
é
pequeno
na
Natureza,
de
acordo
com
a
possibilidade
ou
impossibilidade,
respectivamente,
de
se
desprezar
a
ação
do
observador
em
uma
medida
da
quantidade
em
questão.
Limites
intrínsecos
à
precisão
de
experiências,
como
os
que
foram
aqui
descritos,
tem
um
significado
filosófico
que
estamos
ainda
muito
longe
de
esgotar.
Em
particular,
a
Metafísica
se
interessará
por
saber
se
a
Natureza
é
inerentemente
indeterminista,
ou
se
o
determinismo
é
rompido
pelo
ato
de
observação.
Em
um
certo
sentido
a
discussão
carece
de
significado,
urna
vez
que
propriedades
naturais
inerentemente
não
observáveis
desafiam
qualquer
avaliação
objetiva.
Uma
citação
do
físico
americano
P.
W.
Bridgman
a
esse
respeito é oportuna :
"O
efeito
imediato
do
Princípio
da
Incerteza
será
abrir
as
portas
a
uma
onda
de
pensamento
licencioso.
Isso
virá
da
recusa
em
aceitar
no
seu
verdadeiro
significado
a
afirmação
de
que
não
faz
sentido
penetrar
em
uma
escala
muito
mais
profunda
do
que
a
do
elétron
e
apresentará
a
tese
de
que
realmente
há
um
domínio
além
dessa
escala,
apenas
que
o
homem,
com
suas
presentes
limitações,
não
está
em
condições
de
penetrá-lo.
A
existência
de
um
tal
domínio
será
a
base
de
uma
orgia
de
racionalizações.
Ele
será
a
substância
da
alma
...
o
princípio
dos
processos
vitais;
e
ele
será
o
meio
da
comunicação
telepática.
Um
grupo
achará
na
falha
da
lei
física
da
causa
e
efeito
a
solução
do
antigo
problema
do
livre-arbítrio,
enquanto,
por
outro lado, o ateu achará ali a justificativa para a sua convicção de que o acaso domina o Universo."
Em
outras
palavras,
na
análise
das
conseqüências
do
Princípio
da
Incerteza,
todo
o
cuidado
é
pouco.
Por
outro
lado,
o
alcance
dessas
idéias
fundamentais
é
praticamente
ilimitado,
e
cinqüenta
anos
de
convivência
com
o
Princípio
da
Incerteza
não
foram
suficientes
para
explorar
senão
as
suas conseqüências mais imediatas. O tempo, creio, revelará em Heisenberg um de nossos mais profundos pensadores.
Texto gentilmente cedido pelo Prof. Henrique Fleming e pelo Estado de São Paulo.
Suplemento Cultural - nº 68 - ano II - pág 7 - 1978
Leitura